Noticias de Regueiro Delgado + Partners

Divórcio e "curatela": a sentença 767/2024 do Supremo Tribunal de Justiça espanhol se pronuncia sobre a sua compatibilidade

Publicado: 12 de abril de 2024, 15:00
  1. Últimas noticias
Divórcio e "curatela": a sentença 767/2024 do Supremo Tribunal de Justiça espanhol se pronuncia sobre a sua compatibilidade

A “Ley 8/2021” introduziu uma reforma fundamental no direito espanhol em relação à capacidade jurídica das pessoas com deficiência. Esta lei, que ajusta o ordenamento espanhol aos padrões da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência de 2006, eliminou as figuras tradicionais da interdição ("incapacitación") e da tutela, promovendo, em seu lugar, medidas de apoio personalizadas.

Introduz, assim, a nova instituição da “curatela”, concebida como um mecanismo flexível para auxiliar as pessoas nos atos em que necessitam de apoio, respeitando ao máximo sua autonomia e evitando uma substituição completa da sua vontade.

Nesse contexto normativo, a sentença n.º 767/2024 do Supremo Tribunal de Justiça da Espanha assume particular relevância, pois trata de um caso que reflete a aplicação prática dos princípios consagrados pela nova Ley 8/2021. O que torna interessante essa decisão é como o Supremo Tribunal conseguiu equilibrar a necessidade de proteger uma pessoa vulnerável com seu direito fundamental de tomar decisões sobre sua própria vida.

Assim, estabelece um precedente importante sobre como lidar com situações complexas, nas quais a capacidade de uma pessoa com deficiência de tomar decisões de particular relevância, como um divórcio, é posta em questão.


ANTECEDENTES DO CASO

O caso em questão envolve Jorge, um homem cuja capacidade jurídica foi modificada judicialmente devido a um diagnóstico psiquiátrico e a quem foi designada uma curadora (sua filha) para assisti-lo em alguns atos jurídicos e supervisionar seu tratamento médico. Apesar dessas medidas, Jorge decidiu pedir o divórcio da esposa, gerando um conflito legal em relação à sua capacidade de tomar essa decisão de forma autônoma.

Em particular, a esposa de Jorge, Teodora, opôs-se ao pedido de divórcio, alegando que o marido não tinha a capacidade necessária para decidir sobre uma questão tão pessoal e que era imprescindível a autorização de sua curadora. No entanto, tanto o Tribunal de Primeira Instância quanto o Tribunal de Apelação de A Coruña rejeitaram o recurso, reconhecendo a plena legitimidade de Jorge para solicitar o divórcio de forma autônoma. Teodora então decidiu recorrer em cassação.

Nesse processo de cassação, o Ministério Público havia adotado uma posição contrária à decisão dos tribunais inferiores, sugerindo que Jorge deveria ser ouvido novamente para verificar se compreendia o significado e as consequências da sua decisão de se divorciar. Além disso, em cumprimento da sua função nomofilática, considerava que o Tribunal deveria estabelecer um critério interpretativo segundo o qual os tribunais podem e devem dispor ex oficio a audição da pessoa sujeita a medidas de proteção sempre que, no decorrer de um processo, surgirem dúvidas sobre a correta interpretação dos seus desejos, vontade e preferências.


A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESPANHOL

Contrariamente ao que foi sustentado pela recorrente e aos argumentos do Ministério Público, o Supremo Tribunal decidiu em linha com as instâncias anteriores, afirmando que Jorge tinha plena legitimidade para pedir o divórcio sem a necessidade de novo suporte ou verificação.

O Tribunal espanhol reafirma o princípio segundo o qual o direito de pedir o divórcio é um ato personalíssimo, e que, neste caso, não era necessária a intervenção da curadora de Jorge.

Aliás, a sentença relativa ao processo de apoio de Jorge havia estabelecido “uma curatela para assisti-lo na realização dos «atos jurídicos, econômicos e comerciais complexos» e para supervisionar «seu tratamento médico e tudo o que se relaciona com a sua saúde»”. 
O Supremo Tribunal esclarece que “os «atos jurídicos complexos» aos quais se refere a sentença que estabelece os apoios para o Sr. Jorge são de natureza patrimonial e não pessoal”. Portanto, “do conteúdo das medidas de apoio estabelecidas pela sentença, não se pode inferir, como pretende o recurso, que para pedir o divórcio fosse necessária a intervenção da curadora”.

Além disso, o Supremo Tribunal afirma que os tribunais anteriores já haviam avaliado adequadamente a capacidade de Jorge de compreender plenamente sua decisão e que, portanto, não era necessário submetê-lo novamente a uma audição. 
Pois, em resposta às considerações levantadas pelo Ministério Público, o Tribunal esclarece então que, “em geral”, nos processos de família que envolvem uma pessoa privada em todo ou em parte de sua autonomia, “não deve ser questionada a vontade manifestada pela sua representação legal”, e que, ainda que “em casos excepcionais” em que surgirem “indícios evidentes” de uma “distorção da vontade” o tribunal poderia dispor ex officio a audição dessa pessoa, no caso em questão não havia essa necessidade, tendo o tribunal de apelação adotado medidas suficientes para garantir que Jorge persistia na vontade de se divorciar.


IMPLICAÇÕES E RELEVÂNCIA DA SENTENÇA

A decisão do Supremo Tribunal espanhol destaca a absoluta prioridade da vontade do indivíduo, desde que esteja baseada em uma clara compreensão do ato, como no caso de Jorge.

Esta sentença é de grande importância não só porque reafirma o direito das pessoas com autonomia limitada de tomar decisões fundamentais sobre sua vida pessoal, mas também porque o faz em um contexto em que o Ministério Público, teoricamente protetor dos interesses dessas pessoas, havia recomendado maior cautela.

A decisão do Supremo Tribunal, portanto, estabelece um padrão elevado para a proteção da autonomia pessoal nos termos da Ley 8/2021 e constitui um valioso guia para futuras interpretações jurídicas em situações semelhantes, assegurando que os direitos das pessoas com deficiência sejam plenamente reconhecidos e respeitados no ordenamento jurídico espanhol. 

Noticias relacionadas

Doble nacionalidad en Europa: cómo obtener la española siendo ciudadano de la UE 13 oct

Doble nacionalidad en Europa: cómo obtener la española siendo ciudadano de la UE

Hace 5 horas Últimas noticias
¿Un italiano, francés o portugués puede tener también la nacionalidad española sin perder la suya? Es una de las preguntas más frecuentes entre los europeos que viven o trabajan en España. Cada vez más ciudadanos comunitarios desean consolidar su vínculo con España obteniendo la ciudadanía, bien
Cómo reclamar una factura internacional impagada en España: guía legal y práctica 6 oct

Cómo reclamar una factura internacional impagada en España: guía legal y práctica

06/10/2025 Últimas noticias
Índice Determinar qué tribunal es competente Qué ley se aplica al contrato internacional Procedimientos europeos rápidos y eficaces A) dentro de la UE: B) Reclamar deudas fuera de la Unión Europea Plazos, pruebas y documentación ¿Qué tener en cuenta antes de iniciar la reclamación de una
Ius soli vs. ius sanguinis: el laberinto jurídico de la nacionalidad en casos internacionales 29 sep

Ius soli vs. ius sanguinis: el laberinto jurídico de la nacionalidad en casos internacionales

29/09/2025 Últimas noticias
Índice Ius soli vs. ius sanguinis: dos sistemas clave en la concesión de la nacionalidad El problema de la apatridia: el niño que “no es de ningún sitio” El caso Haití – República Dominicana España: cómo se adquiere la nacionalidad española Conclusión: prevención y asesoramiento para
Responsabilidad penal de las empresas en España: proyección internacional, compliance e IA 22 sep

Responsabilidad penal de las empresas en España: proyección internacional, compliance e IA

22/09/2025 Últimas noticias
Responsabilidad penal de las empresas en España: contexto y claves actuales En el Derecho Penal actual, la responsabilidad penal de las personas jurídicas se ha convertido en uno de los ejes centrales del derecho penal económico, tanto en España como en el ámbito internacional. Desde que se

Financiado por la Unión Europea - NextGenerationEU. Sin embargo, los puntos de vista y las opiniones expresadas son únicamente los del autor o autores y no reflejan necesariamente los de la Unión Europea o la Comisión Europea. Ni la Unión Europea ni la Comisión Europea pueden ser consideradas responsables de las mismas.