A globalização está em constante crescimento e, com ela, os conflitos internacionais.
Em consequência do aumento das relações internacionais e dos negócios com o estrangeiro, as questões transfronteiriças ganham cada vez mais protagonismo, especialmente no âmbito civil e comercial.
Por outro lado, face ao crescimento exponencial dos litígios judiciais, as normas europeias e internacionais introduziram regras destinadas a mediar tais conflitos, a fomentar a sua resolução fora dos tribunais e a implantar a cultura do acordo e da mediação.
A Diretiva Europeia 2008/52/CE previu a incorporação destes mecanismos nos Estados-Membros da UE. Em Espanha, a sua transposição ocorreu por meio da Lei Orgânica 1/2025, que estabeleceu o uso dos MASC (Mecanismos Alternativos de Resolução de Conflitos, equivalentes aos MARC do sistema português) como obrigatório antes de se iniciar uma ação judicial.
Alguns países europeus, como a Itália, fizeram o mesmo, prevendo a tentativa de mediação prévia como requisito de procedibilidade para determinadas ações judiciais. Outros, como Portugal, previram tal tentativa apenas como facultativa.
Pois bem, como se aplicam essas disposições nas controvérsias internacionais? O que acontece se uma das partes for portuguesa e a outra espanhola? Em que casos é obrigatório recorrer aos MASC ou aos MARC antes de iniciar um litígio transfronteiriço?
Vamos esclarecer estas questões.
Conflitos internacionais: quando se aplicam os MARC
Para determinar se os meios alternativos de resolução de conflitos previstos por Portugal ou Espanha se aplicam ou não numa controvérsia internacional, é necessário determinar qual o tribunal competente para resolver o litígio.
A) Se o tribunal competente for o espanhol:
Obrigatoriedade dos MASC espanhóis: antes de apresentar uma ação civil ou comercial perante tribunais espanhóis, é obrigatório intentar um MASC e comprovar isso na própria petição inicial para que seja admitida (art. 5 lei espanhola LO 1/2025).
Isso aplica-se mesmo que a outra parte seja portuguesa e resida fora de Espanha, desde que:
- pelo menos uma das partes tenha domicílio em Espanha;
- a atividade negocial se realize em território espanhol (artigo 3.1 lei espanhola LO 1/2025).
Suspensão de prazos: durante o processamento do MASC espanhol, suspendem-se os prazos de prescrição e caducidade das ações judiciais (art. 7.1 LO 1/2025).
Exceções:
— Matérias excluídas: não é obrigatório recorrer a um MASC, entre outros, em matéria laboral, penal e de insolvência, assim como nos casos em que uma das partes seja uma entidade pública, independentemente da jurisdição competente (arts. 3.2 e 5.2-4 LO 1/2025).
— Procedimentos europeus: decorre do art. 5.3 LO 1/2025 que também não é necessário recorrer a um MASC em execuções, para apresentar pedido de injunção de pagamento no processo de injunção europeu ou para requerer o início de um processo europeu de pequeno montante.
— Naturalmente, também não é exigido em procedimentos de exequátur, cuja função não é decidir sobre o mérito da causa, mas apenas executar em Espanha uma sentença estrangeira, limitando-se a um controlo formal.
B) Se o tribunal competente for o português:
Aplicação da lei portuguesa: ainda que uma das partes seja espanhola, se a controvérsia tiver de ser resolvida em Portugal, aplica-se a legislação portuguesa. Em particular, de acordo com a lei portuguesa (Leis 29/2009 e 29/2013), vigora uma “obrigatoriedade mitigada”, pela qual, como regra geral, a tentativa de mediação antes de recorrer a um processo judicial é meramente facultativa, salvo em alguns casos específicos (matéria de família, laboral e de consumo).
Exceções:
— A maioria das jurisdições estrangeiras respeita a vontade e a autonomia das partes: se estas tiverem estipulado expressamente recorrer a um mecanismo alternativo de resolução de conflitos antes de iniciar uma ação judicial, ou que, em caso de litígio, se aplique a lei espanhola ou portuguesa, o tribunal competente, em princípio, respeitará essa remissão.
Suspensão de prazos: de acordo com a legislação portuguesa, o recurso à mediação suspende os prazos de caducidade e prescrição a partir da data em que se assina o protocolo de mediação ou, no caso de mediação realizada nos sistemas públicos de mediação, na data em que todas as partes tenham acordado a realização da mediação (art. 13.º, n.º 2, Lei portuguesa 29/2013).

Reconhecimento e execução de acordos MASC internacionais
A) Dentro da UE
No que se refere a acordos extrajudiciais alcançados dentro da UE, aplicam-se os Regulamentos Europeus Bruxelas I (para processos iniciados antes de 10/01/2015) e Bruxelas I bis (para processos iniciados após 10/01/2015). Estes regulamentos, sob certas condições, facilitam o reconhecimento e a execução direta não apenas de sentenças estrangeiras, mas também de sentenças arbitrais, atos e documentos públicos.
Além disso, em matéria de mediação, sem prejuízo dos acordos bilaterais que possam existir entre os países envolvidos, a Diretiva 2008/52/CE estabelece que os Estados-Membros só poderão recusar força executiva a um acordo celebrado noutro Estado quando:
- o seu conteúdo for contrário à lei do país em que se pretende a execução;
- não tiver força executiva segundo a legislação desse país.
Em suma, para determinar se o acordo obtido por mediação terá ou não força executiva noutro país, é necessário recorrer à legislação de cada Estado.
B) Fora da UE
Por outro lado, tratando-se de acordos transacionais privados celebrados fora da UE, aplicam-se as convenções e acordos internacionais.
Por exemplo, no âmbito comercial, pode ser aplicável a Convenção das Nações Unidas sobre Acordos de Transação Internacional Resultantes da Mediação, assinada em Singapura em 7 de agosto de 2019 (“Convenção de Singapura”).
A execução dos acordos celebrados ao abrigo destas convenções pode estar sujeita a controlos mais ou menos rigorosos, dependendo da legislação de cada Estado, visto que a sua formalização não requer a intervenção de autoridade pública.
Os acordos celebrados mediante mecanismos alternativos de resolução de conflitos estrangeiros podem ser reconhecidos e executadosem Espanha e em Portugal se cumprirem os requisitos legais e, se for o caso, forem homologados judicialmente.
Conclusão
A aplicação dos mecanismos alternativos de resolução de conflitos em controvérsias internacionais e o reconhecimento de acordos extrajudiciais celebrados num país estrangeiro são matérias especialmente complexas, que envolvem diversas dificuldades em função da legislação de cada país envolvido e do ramo do Direito em questão, mesmo tratando-se de dois países europeus como Portugal e Espanha.
Por esta razão, e para atuar da forma correta, é essencial recorrer a um advogado espanhol especializado em Direito Internacional.