No nosso artigo anterior analisámos como funciona a deserdação no sistema jurídico espanhol, ou seja, a possibilidade de os pais excluírem um filho da herança.
No entanto, no direito espanhol existe outro instituto que pode levar à exclusão de um herdeiro, mesmo sem disposição testamentária expressa: a indignidade para suceder, que atua como uma verdadeira sanção civil no direito das sucessões em Espanha, aplicada a um herdeiro que tenha cometido conduta particularmente grave contra o de cujus.
*Se és cidadão português residente em Espanha ou tens bens ou interesses familiares no país, é crucial conhecer as especificidades do direito sucessório espanhol, pois estas podem afetar diretamente a tua posição na herança internacional. Lembra-te igualmente que as normas sucessórias podem variar conforme cada Comunidade Autónoma.
O que é a indignidade para suceder?
No sistema espanhol, a indignidade para suceder está prevista nos artigos 756–757 do Código Civil e aplica-se quando um herdeiro comete atos graves contra o testador, resultando na perda do direito à sucessão.
A jurisprudência espanhola define-a como:
“uma mancha com que o ordenamento marca quem praticou atos especialmente censuráveis, tornando-o inapto para suceder ao testador que os sofreu”
(SAP Madrid 46/2025, 20 de fevereiro; SAP Bizkaia 295/2024)
Indignidade vs deserdação: diferenças
De acordo com o ordenamento espanhol:
a) a indignidade não carece de menção testamentária, mas exige declaração judicial
b) a deserdação pressupõe uma vontade testamentária explícita
c) as causas de indignidade não coincidem totalmente com as da deserdação
Indignidade vs incapacidade para suceder
Embora frequentemente confundidas, são figuras distintas:
- indignidade para suceder: baseia-se numa conduta gravemente censurável do herdeiro contra o testador e exige prova judicial
- incapacidade para suceder: trata-se de uma proibição legal automática (ex.: o pessoal de saúde ou o notário — arts.753–754 CC).

Causas legais de indignidade
Segundo o art. 756 CC espanhol, constituem indignidade:
- condenação por homicídio ou crimes graves contra o testador ou seus familiares;
- condenação por delitos graves contra o testador ou pessoas próximas;
- denúncia falsa de crime grave ao testador;
- ocultar a morte do testador;
- coagir para redigir ou modificar o testamento;
- destruir, ocultar ou falsificar o testamento;
- omissão de cuidados a testador com deficiência.
*Tal como na deserdação, não são válidas motivos pessoais ou morais — ex.: o afastamento afetivo não qualifica.*
Como se aplica a indignidade?
- a indignidade deve ser declarada por um juiz, mediante procedimento judiciário
- podem solicitá-la os interessados na herança, como outros herdeiros
- o herdeiro acusado tem direito a defesa, e o juiz decide com base nos requisitos legais.
*PRAZO IMPORTANTE: se o indigno já possui bens hereditários, a ação deve ser exercida no prazo de 5 anos após a aceitação (art. 762 CC).
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Consequências da indignidade para suceder
— O indigno perde o direito à herança do testador; não queda mera incapacidade geral, mas sim exclusão específica.
— Se a causa estiver ligada ao testamento (ex.: ter forçado o testador a nomeá-lo herdeiro), este pode ser impugnado e anulado.
— Se for filho do testador, os seus descendentes podem substituí-lo na legítima (art. 761 CC espanhol)
exemplo: se um pai obrigou o avô a alterar o testamento a favor do pai, mas não me envolvi, posso reivindicar a parte da legítima.
— Se já recebeu bens, deve devolvê-los com os frutos (art. 760 CC espanhol)
exemplo: se herdou um apartamento e o arrendou, terá que restituir o imóvel e as rendas.
Outras consequências segundo o regime galego
A depender da lei sucessória regional aplicável ao caso, a indignidade pode acarretar efeitos jurídicos adicionais.
Em particular, segundo o direito civil da Galícia, a indignidade também produz:
- pacto de melhoria atribuído ao indigno é anulado (art. 218.3 LDCG);
*a Espanha permite os pactos sucessórios; por exemplo, na Galiza existe a possibilidade de formalizar a chamada “herança em vida”.
- usufruto vidual é perdido pelo indigno (art. 230.1 LDCG).
Exceções: perdão e reabilitação do indigno
Mesmo existindo causa de indignidade, o herdeiro pode manter os seus direitos se for perdoado pelo testador:
a) reabilitação tácita: ocorre quando o testador, conhecendo os factos que fundamentam a indignidade, nomeia o herdeiro no testamento;
b) reabilitação expressa: consiste numa declaração inequívoca de perdão feita no próprio testamento (art. 757.º do Código Civil).
Conclusão
A indignidade para suceder é um instituto complexo do direito civil espanhol. Requer causas legais específicas, prova robusta e ato formal em juízo.
A Audiencia Provincial de Toledo (sent.46/2019) enfatiza que é uma “verdadeira sanção civil” que exige “prova irrefutável do ato”.
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