A proximidade geográfica e os vínculos históricos entre Portugal e Espanha levaram ao aumento significativo dos casamentos mistos. Quando um casal formado por um cidadão português e um cidadão espanhol decide divorciar-se, torna-se essencial saber em que país é mais vantajoso iniciar o processo, que lei será aplicada e quais são as diferenças entre ambos os sistemas jurídicos.
Este artigo explica de forma prática as regras europeias sobre competência judicial e lei aplicável, e compara o procedimento de divórcio em Espanha e Portugal — informação fundamental para qualquer casal luso-espanhol.
Onde apresentar o pedido de divórcio?
Competência entre tribunais portugueses e espanhóis
Para determinar se o divórcio deve ser iniciado em Portugal ou em Espanha, aplica-se o Regulamento (UE) 2019/1111, conhecido como Bruxelas II ter.
Este regulamento estabelece os critérios de competência dos tribunais dos Estados-Membros em matéria matrimonial, com base nos vínculos de residência habitual e nacionalidade.
De acordo com o artigo 3, os tribunais de um Estado-Membro são competentes quando:
- ambos os cônjuges têm a sua residência habitual nesse Estado;
- foi nesse Estado que tiveram a última residência habitual conjunta, e um deles ainda aí reside;
- o requerido reside habitualmente nesse Estado;
- existe um pedido conjunto apresentado no Estado onde um deles reside;
- o requerente reside nesse Estado há pelo menos um ano (ou há seis meses, se for nacional desse Estado);
- ou ambos os cônjuges têm a nacionalidade desse Estado.
Isto significa que:
Então...:
Um casal luso-espanhol residente em Lisboa pode divorciar-se em tribunais portugueses?
Sim.
Se residiram juntos em Espanha e um deles ainda vive lá, Espanha pode ser competente?
Sim.
Se o cônjuge espanhol reside em Espanha há mais de seis meses e o português continua em Portugal, a ação pode ser apresentada em Espanha?
Sim.
Assim, o sistema europeu evita situações em que nenhuma das partes tenha tribunal competente.

Que lei será aplicável ao meu divórcio luso-espanhol?
O Regulamento (UE) 1259/2010 (Roma III) determina a lei aplicável ao divórcio. A sua aplicação é universal, ou seja, a lei designada pode ser a de qualquer país, seja ou não da UE.
A) Se existe acordo entre os cônjuges (art. 5 Roma III)
O casal pode escolher, por escrito, que o divórcio seja regido por:
- a lei do país onde qualquer um dos cônjuges tenha residência habitual;
- a lei do último local onde residiram juntos, se um deles ainda lá residir;
- a lei da nacionalidade de qualquer um deles (Portugal ou Espanha);
- a lei do país onde é apresentado o pedido (lei do foro).
B) Se não existe acordo (art. 8 Roma III)
Aplica-se, por esta ordem:
- a lei da residência habitual de ambos;
- a lei da última residência habitual conjunta (se terminada no ano anterior e um deles ainda lá residir);
- a lei da nacionalidade comum;
- a lei do tribunal que conhece do divórcio.
Em termos práticos, num divórcio luso-espanhol:
se ambos vivem em Portugal?
aplica-se a lei portuguesa;
se residiram juntos em Espanha no último ano e um deles ainda lá vive?
aplica-se a lei espanhola;
se têm nacionalidade comum adquirida (ex.: ambos espanhóis)?
aplica-se essa lei; caso contrário? aplica-se a lei do tribunal que aprecia o caso.
Como funciona o divórcio em Espanha?
Requisitos, procedimentos e mediação obrigatória
O sistema espanhol caracteriza-se pela ausência de culpa: desde a Lei 15/2005, qualquer cônjuge pode pedir o divórcio sem necessidade de justificar a causa.
É suficiente provar que passaram três meses desde o casamento (com exceções de risco para a vida, integridade física, liberdade ou integridade moral).
Existem duas vias para se divorciar em Espanha:
Obrigatória quando:
- existem filhos menores não emancipados;
- existem filhos maiores com medidas de apoio judicial;
- ou não existe acordo entre os cônjuges.
- De mútuo acordo (extrajudicial)
Possível quando não há filhos menores nas condições acima.
Realiza-se:
- perante o Letrado da Administração de Justicia, ou
- mediante escritura pública perante Notário (arts. 82 e 87 CC).
Mediação obrigatória em Espanha (MASC)
Com a Lei 1/2025, tornou-se obrigatório, antes de apresentar a ação judicial, tentar um método adequado de resolução de conflitos (MASC): sessão informativa; mediação; ou negociação assistida por advogados.
Objetivos: reduzir conflitos, diminuir custos e fomentar acordos duradouros.
Nos divórcios luso-portugueses, esta etapa é especialmente útil devido às diferenças culturais e linguísticas.
Como funciona o divórcio em Portugal?
A lei portuguesa centra-se na ruptura do vínculo, e não na culpa.
- Divórcio por mútuo consentimento (via Conservatória)
Tramita-se no Registo Civil, mediante:
- pedido conjunto dos cônjuges;
- acordo sobre guarda, alimentos, uso da casa de morada de família e partilha de bens;
- apresentação do certificado de casamento, pacto antenupcial e inventário.
Se existirem filhos menores, o Ministério Público analisa e aprova o plano de parentalidade.
- Divórcio sem consentimento (via tribunal)
Qualquer dos cônjuges pode requerer.
A lei prevê causas como:
- separação de facto por pelo menos 1 ano;
- anomalia psíquica que torne impossível a vida em comum;
- ausência prolongada;
- violação grave dos deveres conjugais.
Independentemente das causas, o divórcio pode ser decretado quando se demonstre a ruptura definitiva do casamento.
Se houver acordo posterior, o processo converte-se em divórcio por mútuo consentimento.
Após a decisão, o divórcio é registado no Registo Civil português, produzindo efeitos perante terceiros.

Reconhecimento da sentença entre Portugal e Espanha
Sendo ambos Estados-Membros da UE: as sentenças de divórcio são reconhecidas automaticamente, não é necessário exequátur, basta apresentar a decisão e o certificado previsto em Bruxelas II ter.
Ambos aplicam também Roma III, pelo que qualquer acordo de escolha da lei aplicável será respeitado.
Conclusões
O divórcio entre um português e um espanhol está regulado por mecanismos europeus que asseguram:
- critérios claros sobre competência judicial (Bruxelas II ter);
- regras uniformes sobre lei aplicável (Roma III);
- reconhecimento automático das decisões em ambos os países;
- procedimentos diferentes: Espanha permite divórcio sem causa após 3 meses, enquanto Portugal distingue entre mútuo consentimento e divórcio contencioso com causas ou ruptura definitiva.
Dependendo do caso concreto — residência habitual, nacionalidade, existência de filhos, rapidez desejada ou regime económico — pode ser mais vantajoso divorciar-se em Portugal ou em Espanha.
Devido à complexidade das situações transfronteiriças, é altamente recomendável procurar advogados especializados em direito internacional da família, que possam:
- identificar o país mais favorável para iniciar o processo;
- aconselhar sobre a lei aplicável;
- preparar o acordo de divórcio;
- e garantir que a sentença produz efeitos em ambos os países.