O Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 25 de novembro de 2025, no processo C-713/23 (Wojewoda Mazowiecki), marcou um ponto de viragem na proteção dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo na União Europeia.
O Tribunal determinou que todos os Estados-membros são obrigados a reconhecer casamentos igualitários celebrados em qualquer país da UE, mesmo que o seu ordenamento interno não permita esse tipo de casamento.
No entanto, quando falamos do eixo Espanha - Portugal, surge uma questão relevante: existe alguma especialidade no reconhecimento do casamento celebrado num destes países e reconhecido no outro?
A resposta é sim, mas no sentido positivo: ambos os países já reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo no seu direito interno, pelo que o reconhecimento recíproco é automático, completo e sem conflitos. Ainda assim, existem aspetos práticos importantes quanto a residência, registo civil, fiscalidade e mobilidade que vale a pena esclarecer.
Portugal - Espanha: uma relação privilegiada
Ao contrário de países onde o acórdão muda por completo a prática administrativa (Polónia, Roménia, Bulgária…), entre Portugal e Espanha:
a) ambos reconhecem plenamente o casamento igualitário
- Espanha: desde 2005
- Portugal: desde 2010
Não existe qualquer colisão jurídica: o casamento celebrado num país é plenamente reconhecido no outro sem necessidade de invocar o TJUE.
b) O reconhecimento não é limitado “apenas para efeitos da UE”:
não se trata de um reconhecimento mínimo ou parcial > em ambos os ordenamentos o casamento tem todos os efeitos civis, incluindo:
- filiação
- regime de bens
- direitos sucessórios
- pensões
- direitos laborais e familiares
- fiscalidade, etc.
c) Nunca é reduzido a união de facto ou figura equivalente:
noutros Estados existe o risco de “despromoção” do vínculo. Em Espanha e Portugal, o casamento estrangeiro é inscrito como casamento, sem matizes.
d) O TJUE reforça — não cria — esta obrigação:
antes de 2025, os dois países já estavam alinhados com o Direito europeu. O acórdão apenas consolida e blinda juridicamente esta proteção.

Reconhecimento do casamento homossexual português em Espanha
Se uma união for celebrada em Portugal e se pretender que produza efeitos em Espanha:
a) se um dos cônjuges for espanhol: inscrição no Registro Civil espanhol >> a inscrição pode ser realizada no:
- Consulado de Espanha em Portugal
- Registro Civil espanhol do domicílio em Espanha
Documentos habituais:
- certidão de casamento portuguesa (internacional/plurilingue)
- DNI/NIE/passaporte
- formulários oficiais
- livro de família, se existente
A inscrição é automática, pois Espanha reconhece plenamente os casamentos portugueses entre pessoas do mesmo sexo.
b) Se nenhum for espanhol: inscrição opcional >> o casamento mantém total validade em Espanha sem registo.
Mas transcrever facilita:
- empadronamento
- acesso ao sistema de saúde
- prestações familiares
- fiscalidade conjunta
- efeitos patrimoniais e sucessórios
- transmissão de apelidos a filhos
Efeitos jurídicos
- ambos os cônjuges são reconhecidos como cônjuges
- se um for extracomunitário >> cartão de residência de familiar de cidadão da UE
- aplicam-se todos os efeitos do casamento segundo o Código Civil espanhol
Reconhecimento do casamento homossexual espanhol em Portugal
A mesma simplicidade aplica-se no sentido inverso.
a) Inscrição no Registo Civil português >>pode ser requerida se:
- um dos cônjuges for português, ou
- a família se mudar para Portugal e quiser consolidar efeitos internos
Procedimento:
- certidão de casamento espanhola (preferencialmente plurilingue)
- documento de identificação de ambos
- eventual documentação sobre o regime de bens
Portugal transcreve sem avaliação adicional: o casamento espanhol tem o mesmo valor que o casamento português.
b) Efeitos jurídicos em Portugal:
- acesso ao Serviço Nacional de Saúde como cônjuge
- direitos fiscais no IRS
- pensões de sobrevivência
- direitos laborais por casamento ou família
- direitos sucessórios segundo o Código Civil português
- para cônjuge extracomunitário: residência como familiar de cidadão da União Europeia

É necessária residência, nacionalidade ou requisitos especiais para casar em Portugal ou Espanha?
Não. Em nenhum dos dois países é exigida nacionalidade ou residência prévia para celebrar o casamento.
Documentação geralmente exigida para o casamento gay:
- passaporte/Cartão de Cidadão/DNI
- certidão de nascimento
- certidão de estado civil (solteiro, divorciado, viúvo)
- em alguns casos: comprovativo de morada
- traduções certificadas se os documentos não estiverem em português ou espanhol
- apostila quando aplicável (não necessária com certidão plurilingue europeia)
Nenhuma exigência adicional por ser casamento entre pessoas do mesmo sexo.
O que muda realmente com o TJUE no eixo Espanha–Portugal?
Mesmo onde não havia problemas, o acórdão reforça garantias:
a) proteção contra eventuais retrocessos legislativos e no futuro algum governo tentasse limitar direitos: o Direito da UE impediria qualquer discriminação ou redução de proteção;
b) segurança total em situações transfronteiriças complexas > ex.: reconhecimento de alterações de género e situações de registos diferentes entre países.
Conclusão: um cenário jurídico seguro, simples e sem barreiras
O casamento entre pessoas do mesmo sexo celebrado em Espanha ou em Portugal goza de:
- reconhecimento pleno e automático em ambos os ordenamentos
- proteção reforçada pelo acórdão TJUE C-713/23
- trâmites rápidos e interoperáveis entre registos civis
O eixo Portugal–Espanha é hoje um dos mais estáveis e seguros na Europa para famílias LGBTI.
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