As relações comerciais entre Portugal e Espanha são cada vez mais intensas.
Empresas portuguesas exportam bens e serviços para Espanha — e vice-versa — em setores como maquinaria, alimentação, moda e tecnologia.
Mas quando surge um cliente espanhol que não paga, a dúvida é imediata: onde devo reclamar? Aplica-se a lei portuguesa ou a espanhola? Que procedimentos europeus posso utilizar?
Neste artigo, apresentamos um guia prático e juridicamente fundamentado sobre como agir perante uma fatura não paga em operações entre Portugal e Espanha.
Onde reclamar: Portugal ou Espanha?
Nas relações comerciais entre Estados-Membros da União Europeia, a competência judicial é regulada pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, conhecido como Bruxelas I bis.
A) Regra geral
(art. 7 Regulamento)
Se as partes não incluíram uma cláusula de escolha de foro, o credor pode intentar a ação no tribunal do local onde a obrigação contratual foi ou deve ser cumprida. A saber:
- contratos de compra e venda: tribunal do local de entrega das mercadorias;
- contratos de prestação de serviços: tribunal do local onde os serviços foram prestados.
Exemplos:
- se uma empresa espanhola entregou mercadorias em Lisboa, o tribunal competente será o português.
- Se uma empresa portuguesa prestou serviços de construção em Madrid, a competência será dos tribunais espanhóis.
O TJUE (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Car Trim, ECLI:EU:C:2010:90) esclareceu que o local de entrega corresponde ao lugar onde o comprador pode efetivamente dispor dos bens.
B) Cláusula de escolha de foro
(art. 25 Regulamento)
Se o contrato contém uma cláusula de escolha de tribunal (por exemplo, “Tribunal de Lisboa” ou “Tribunais de Madrid”), essa cláusula prevalece, desde que cumpra os requisitos formais do Regulamento.
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Que lei se aplica ao contrato
A lei aplicável ao contrato nem sempre coincide com a do país onde se intenta a ação.
De acordo com o Regulamento (CE) n.º 593/2008 (Roma I), artigos 3.º e 4.º:
— as partes podem escolher expressamente a lei aplicável (ex.: “lei portuguesa” ou “lei espanhola”);
— na ausência de escolha:
- nos contratos de compra e venda, aplica-se a lei do país do vendedor;
- nos contratos de prestação de serviços, a lei do país do prestador.
Esta escolha influencia aspetos cruciais como prazos de prescrição, juros de mora e a forma de provar o incumprimento.
Procedimentos europeus úteis entre Portugal e Espanha
Além da ação judicial tradicional, a União Europeia oferece instrumentos rápidos e eficazes para o cobro de créditos transfronteiriços:
1) Procedimento Europeu de Injunção de Pagamento (Reg. 1896/2006)
- para créditos pecuniários, líquidos, vencidos e exigíveis entre Estados-Membros (exceto a Dinamarca);
- vantagens: simples, económico e permite obter um título executivo europeu se o devedor não apresentar oposição.
2) Procedimento Europeu para Ações de Pequeno Montante (Reg. 861/2007)
- para litígios transfronteiriços até 5.000 € (excluindo juros e custas);
- vantagens: processo padronizado, maioritariamente escrito, executável diretamente em toda a UE.
3) Título Executivo Europeu (Reg. 805/2004)
- para créditos não contestados (quando o devedor não se opõe ou reconhece a dívida);
- vantagens: a decisão torna-se imediatamente executiva noutro Estado-Membro sem exequatur (exceto a Dinamarca).
4) Ordem Europeia de Arresto de Contas Bancárias (Reg. 655/2014)
- permite bloquear contas bancárias do devedor noutro país da UE;
- vantagens: medida preventiva eficaz para evitar a dissipação de bens.

E se já existir uma sentença de condenação em Portugal?
Se já existir uma sentença condenatória portuguesa, esta pode ser executada diretamente em Espanha, e vice-versa, sem necessidade de exequatur, desde que cumpridos os requisitos legais previstos no Regulamento.
Aspetos práticos a considerar
Prazos de prescrição:
- Espanha: 5 anos para ações pessoais (art. 1964 do Código Civil espanhol);
- Portugal: 20 anos para obrigações contratuais (art. 309.º do Código Civil português).
É essencial determinar qual o prazo aplicável e interromper a prescrição através de um pedido formal (por carta registada ou notificação judicial).
Atenção: em Espanha, nem sempre basta uma carta simples ou e-mail para interromper o prazo de prescrição.
Provas: contratos, faturas, encomendas, e-mails, guias de entrega, etc.
Se estiverem redigidos noutra língua, poderá ser exigida tradução juramentada.
Custos e prazos: os procedimentos europeus (Injunção de Pagamento e Pequeno Montante) são geralmente mais rápidos e menos dispendiosos do que uma ação judicial ordinária.
Casos práticos
Caso 1. Uma adega espanhola vende vinho a um distribuidor no Porto. A entrega ocorreu em Portugal e o cliente não paga.
>>> A empresa espanhola pode reclamar em Portugal (tribunais portugueses) ou iniciar o Procedimento Europeu de Injunção de Pagamento em Espanha, que será executado automaticamente em Portugal.
Caso 2. Uma transportadora portuguesa presta serviços em Valência, e o cliente espanhol não paga.
>>> O transportador pode recorrer diretamente aos tribunais espanhóis, uma vez que Espanha é o local de prestação dos serviços.
Conclusão
Recuperar uma fatura entre Portugal e Espanha pode parecer simples, mas exige avaliação técnica cuidadosa, pois:
- cada caso requer uma análise de jurisdição e lei aplicável;
- escolher o procedimento europeu correto pode poupar tempo e custos;
- um erro na notificação ou na tradução pode anular todo o processo;
- um advogado especializado pode solicitar medidas cautelares para evitar que o devedor esconda ou transfira bens.
Se a sua empresa portuguesa tem uma fatura não paga por um cliente espanhol, existem soluções legais rápidas e eficazes ao seu dispor.
O mais importante é agir com rapidez, escolher o método adequado e garantir que o processo cumpre os requisitos formais de ambos os países.
Um escritório de advogados com experiência em contencioso internacional ajuda as empresas a evitar erros processuais (notificações incorretas, foro inadequado, traduções imprecisas) e a maximizar as hipóteses de recuperar o crédito.